Flora é o nome de uma deusa da mitologia romana que deu o mel como presente aos seres humanos. É quem governa a primavera e as flores. Flora também é o nome do conjunto de espécies vegetais de um local.
O Alto Sertão Baiano é uma zona onde encontramos floras de diversos biomas, principalmente de caatinga e cerrado, caracterizados por serem regiões onde as chuvas se concentram muito no fim e no começo do ano. É o período conhecido como “tempo das águas”. No restante do ano há uma grande escassez de chuvas. Não é qualquer planta que se adapta a essa situação, o que faz a vegetação desses lugares ser muito específica, adequada a um regime tão concentrado de chuvas.
Assim, quem chega ao sertão pela primeira vez no período do inverno seco não tem como imaginar quanto tudo muda, antes mesmo das primeiras gotas caírem. Rapidamente o cenário fica colorido, flores de todo tipo, com destaque para os cachinhos nos ramos do umbuzeiro, os aglomerados nos troncos da jabuticabeira, os inúmeros e frágeis filamentos da flor do pequi, as delicadas estrelas brancas da flor da mangaba, as perfumosas flores que cobrem todo o pé de cagaita e muitos outros tipos de flores a atrair abelhas, besouros, formigas e outros insetos que contribuem para nossa flora frutificar.
A variedade de frutos deliciosos e versáteis dessa região, todos por aqui já conhecem. O momento de se reunir em torno de um café com doce de fruta preparado na lenha ou o momento de chupar fruta debaixo do pé e levar baldes cheios para casa deixam lembranças em todas as famílias. Mas essa abundância ainda não é bem explorada para obter renda de maneira economicamente mais sustentável. É importante que se ofereçam cursos e consultorias técnicas para aumentar a articulação entre as iniciativas de organizações de produtores que já se encontram produtivas, além, claro, de trazer conhecimento sobre como conservar a fruta e beneficiá--la com higiene e qualidade para as comunidades que ainda não produzem de forma organizada.
Assim, o que a terra nos oferece pode ser utilizado para formar uma rede de pequenos produtores organizados, ensinando e aprendendo quais as formas mais inteligentes e integradas de produzir. É um caminho para trazer melhoria de vida e desenvolvimento de trabalho, comércio e renda para as pessoas das caatingas e dos cerrados.
Nossa flora, frutificando, produz riquezas.
Spondias tuberosa
Umbuzeiro não é planta.
É, sim, instituição.
Alimenta o sertanejo
geração a geração
Dá um fruto que é sagrado
Pro sertão e pro cerrado
Dessa nossa região
O umbu é um dos frutos mais significativos para o sertanejo, e até nas caatingas mais mexidas pelo ser humano vemos essa árvore a fazer sombra preciosa no Alto Sertão da Bahia. Todos conhecem histórias de como, nos períodos das secas mais severas, a vida de muita gente foi salva pelas batatas da raiz do umbuzeiro, onde a planta armazena água para a época de estiagem. Inclusive vem daí o nome da fruta, que em tupi significa “árvore que dá de beber”. Além disso, as batatas também são usadas para tratar diarreias e verminoses.
Por volta de setembro, começam a surgir os cachinhos com as pequenas flores brancas e cheirosas, que convidam abelhas e outros insetos polinizadores. Na região de Caetité a Pindaí, de fins de novembro até meados de março, temos a temporada de coleta, quando se buscam os suculentos umbus por entre galhos tão bem trançados pela natureza que é até difícil entender se o galho está saindo ou chegando.
Cristina, presidente da Associação de Mulheres de Mulungo, em Pindaí, confirma essa história de abundância e diz que é importante valorizar o produto da região, agregando valor e desenvolvendo planos de expansão de mercado, pensando na produção e na distribuição. Ela avisa que o caminho para erguer uma associação de beneficiamento de frutas não é fácil, mas com disciplina e persistência todo o esforço vale a pena.
A reprodução natural do umbuzeiro passa por dificuldades, devido às criações desordenadas de ovelhas e cabras, que comem os frutos e depois excretam as sementes em locais inadequados à germinação. Os animais disseminadores vivem em refúgios cada vez mais afastados. Por isso, é importante preservar a fauna silvestre, bem como fazer um revezamento dos pés de umbu em que vamos coletar, além de não colher frutos verdes. Prefira selecionar os frutos de vez, mais capazes de suportar o armazenamento e o transporte. Lembre-se de deixar frutos no chão e na árvore para que os umbuzeiros tenham mais chances de se proliferar. Durante a coleta, é fundamental ter cuidado para não derrubar as flores, garantindo que os umbus continuem a amadurecer por toda a temporada de frutificação.
Fonte de vitamina C, o umbu também possui vitamina A, ferro e cálcio. Logo que amadurece, estraga rapidamente. Não costuma passar de três dias. Cada umbuzeiro é capaz de dar cerca de 15 mil frutos e sempre há, todo ano, uma grande perda em desperdício. Por isso é importante aprender a conservar e beneficiar a polpa desse fruto, para que possa estar disponível o ano inteiro como fonte de alimento e renda.
Dona Carmem, de Boa Vista, em Caetité, diz que a Associação de Mulheres da cidade orienta que suas integrantes disseminem o umbuzeiro. Mas há locais, como a Lagoa do Meio, também em Caetité, onde os umbuzeiros são centenários e há várias gerações produtivas da árvore, como conta Nalva, moradora da comunidade e beneficiadora do umbu. Ela nos ensina receitas e avisa que é preciso atenção, porque na fervura do umbu a calda pula muito. Ela se refere às bolhas grandes que estouram forte e espalham caldo quente por todo lado, causando queimaduras em desprevenidos.
UMBUZADA
Ingredientes
Cerca de 20 umbus de vez
1 xícara de água
350 ml de leite
½ xícara de açúcar
Preparação
Lave os umbus e tire os cabinhos. Cozinhe na água por cerca de 5 minutos ou até os umbus ficarem moles. Adicione o leite e o açúcar e mexa. Cozinhe mais um pouco por cerca de 3 minutos ou até os umbus se desmancharem. Passe por uma peneira de palha para separar os caroços, bata no liquidificador e sirva quente ou gelado.
Syagrus coronata
Eis o rei desse sertão
Elegante em sua coroa
Sempre altivo e majestoso
Pois não tem uma pessoa
Que andando por aqui
Desconheça o licuri
Que tem fama não à toa
A passarinhada no fim da tarde faz aquele escarcéu nas saias formadas pelas folhas secas dos licurizeiros que cobrem a parte de baixo da coroa. Ali, araras, maracanãs, papagaios e periquitos encontram abrigo e alimentos, enfeitando a paisagem com cores e cantos. Essa é uma árvore protegida e, mesmo não estando seriamente ameaçada, seus frutos são a principal fonte de alimento para espécies que estão em extinção. A arara-azul-de-lear é a principal, mas há também espécies de roedores que se sustentam com a energia do coquinho do licuri, rico em proteína, carboidratos e lipídios, tal como o caxinim ou caxinguelê, um tipo de esquilo famoso pela música Capim Guiné, de Raul Seixas e Wilson Aragão.
“Não planto capim guiné
Pra boi abanar rabo
Tô virado no diabo
Tô retado com você
Tá vendo tudo e fica aí parado
Com essa cara de veado
Que viu caxinguelê”
O licuri é um fruto de congregação. As pessoas usam todos os processos com o licuri como atividades de integração social. Reúnem-se durante a coleta, realizada a partir dos frutos secos, espalhados no solo aos pés dos licurizeiros, ou ainda dos frutos de vez, para consumir cozidos. A quebra do coco também junta as pessoas em volta de um monte de licuris, cada um com sua pedra, cantando e jogando verso enquanto batem no coco seco que ficou um tempo de molho na água para facilitar retirar as amêndoas, também chamadas de bala, de onde se extrai o óleo. E, claro, a alegria da hora de comer.
Cocada, bolo de puba, bolo de fubá, cuscuz, tapioca, paçoca, tijolo, torrado, amarrados crus em rosários, ralado em sobremesas, na moqueca… As formas de aplicar o licuri em receitas são praticamente ilimitadas. E, por ter alto valor nutricional, é um aliado gigantesco na busca por segurança alimentar nas regiões com situações críticas de disponibilidade de água para cultivos. Mais recentemente, tem ocupado lugar de destaque quando se trata da busca de ingredientes sustentáveis para a alta culinária, atraída por alimentos com sabores marcantes, forte apelo à saúde e disponibilidade estável, especialmente se houver, ainda por cima, repercussão social, como a possibilidade de oferecer renda a comunidades de pequenos produtores rurais.
Dona Carmem, de Santa Luzia, Caetité, vende na feira agroecológica o coco licuri selecionado e catado. Ela tem grande preocupação com a qualidade do produto que comercializa, para ficar sempre com boa fama. Por isso, ensina que é preciso catar as cascas com muita atenção, já que basta um pedaço pequeno, mordido sem atenção, para fazer a pessoa perder um dente.
Nalva, de Lagoa do Meio, ensina a extrair o óleo do licuri. Ela coloca a amêndoa para torrar levemente, para em seguida cozinhar com água. O fruto então libera o óleo. Como não se mistura com a água, o óleo vai subir para a superfície. É então recolhido com uma colher e colocado numa panela à parte para fritar, a fim de separar o que restou de água no óleo arrecadado. Além dos usos na preparação de receitas substituindo outros tipos de óleo menos saudáveis, Nalva ainda nos ensina que pingar 3 ou 4 gotas do óleo nas refeições, todos os dias, faz bem para regular o trato intestinal.
A gente olha para todo lado e vê licurizeiros. Dona Julita, da feira de Guirapá, em Pindaí, acha difícil encontrar lugar onde não se veja eles. Mas as coisas estão mudando e a reprodução natural do licuri é um ciclo relativamente lento. O tempo até um coquinho daqueles germinar é de um ano. Cuide das mudas. Jamais corte um licurizeiro vivo. Plante sempre que puder, porque muitos problemas podem ser mais bem resolvidos evitando que comecem.
TIJOLO DO LICURI DE DONA CARMEM
Ingredientes
10 litros de caldo de cana
½ kg de folha de palma
10 kg de massa de mandioca
10 kg de mamão verde
5 kg de coco licuri
1 kg de cascas secas de laranja-da-terra
Cravo, canela em pó e erva-doce a gosto
Preparação
Após moer a cana e tirar o caldo coado, espere um pouco até decantar as impurezas. Coloque o caldo limpo em um tacho de cobre e esquente. As impurezas restantes subirão e formarão uma espuma densa que deve ser retirada com uma escumadeira. Passe umas 3 folhas médias de palma no moedor e misture no tacho, isso ajuda a limpar o caldo. Quando ele estiver fervendo limpo, vai perder água e engrossar. Quando estiver em ponto de puxa, acrescente as massas de mamão e de mandioca e mexa. O ponto de tirar do fogo é quando estiver soltando das bordas do tacho. Despeje tudo na gamela, acrescente o coco licuri, as cascas de laranja, o cravo, a canela e a erva-doce. A seguir bata com pás de madeira para endurecer. Enforme e espere esfriar.
Plinia cauliflora
Isso aqui é fruta boa
Essa tal jabuticaba
Dá aos montes nos gerais
Trilha fácil ou mata braba
Pra catar baldes, eu ando
Só descanso mesmo quando
Temporada se acaba
O tronco apinhado de florezinhas aglomeradas na véspera das águas já deixa a boca molhada. Aqui, todo mundo é íntimo da jabuticaba. Tão íntimo que chama pelo apelido de jabute. Só de pensar naqueles troncos cobertos de jabutes faz qualquer um lembrar de tempos sem fim.
Dona Maria Saldanha, dos gerais de São Domingos, comercializa plantas na feira de Pindaí. Ela cultiva mudas e plantas das mais variadas. São suculentas, flores, ornamentais de todo tipo, além de frutíferas do cerrado e da caatinga. Em seu jardim, ela plantou laranjas, goiabas e limões, mas não precisou semear sequer uma das dezenas de jabuticabeiras, coquinhos-de-ticum, pequizeiros, coquinhos-de-galinha, licurizeiros ou maracujás-do-mato que nasceram ali.
Dona Nair, de Boa Vista, vende suas jabutes na feira de Caetité desde outubro, quando as outras jabuticabeiras só produzem de novembro adiante. Para ter jabutes como dona Nair, só fazendo como ela e produzindo com rega de poços artesianos. No entanto, é sempre importante verificar a quantidade de poços que existem explorando um mesmo lençol d’água, para saber se ele suporta. Fale com os vizinhos, organize formas de utilizar a água da melhor maneira para o maior número de pessoas. É nosso recurso mais valioso.
As jabuticabeiras são ancestrais. Os ratos-do-mato, tatus, veados-catingueiros, cotias, mocós, raposas e uma vastidão de pássaros se encarregaram de disseminar ao longo do tempo essa delícia por toda parte.
Seu Mário, na feira de Caetité, provou uma jabute na barraca e reclamou com o feirante porque ele não esperou o tempo certo de colher: "Tá azeda". O feirante preferiu tirar a fruta antes do tempo porque ficou muito cedo para a feira do dia, mas na semana seguinte seria muito tarde. O dia da feira determina o dia da colheita, mas não precisa ser assim. É perfeitamente possível esperar o tempo de que a fruta necessita para ficar saborosa e nutritiva e ainda melhorar o seu desempenho comercial.
Seu Benedito tem mais jabuticabeiras do que pode contar na sua terra, na localidade de Capão Grande, não muito longe de São Domingos. Tradicionalmente, na época da colheita, ele recebe familiares e amigos que saem abarrotados de baldes e mais baldes de jabutes. E, com o muito que ainda sobra, faz licor e vinho. Para o vinho, ele preenche tonéis com jabutes e açúcar e deixa fermentando. Para o licor, acrescenta aguardente. Mas seu Benedito não faz em escala, para comercializar. Diz que é apenas para presentear.
GELEIA DE JABUTICABA
Ingredientes
1 kg de jabuticabas maduras e lavadas
2 xícaras de açúcar
1 litro de água
Preparação
Cubra quase completamente as jabuticabas com água e cozinhe por 30 minutos. Ao mexer, não estoure as jabuticabas, deixe que a casca e a polpa se separem sozinhas para não deixar a geleia mais amarga. Passe a polpa em uma peneira separando as sementes, misture com a água do cozimento, o açúcar e leve de volta ao fogo brando. Mexa até o ponto de desgrudar do fundo da panela ao passar a colher de pau.
Seu Nô, da comunidade Palmeira, por sua vez, é um homem que não gosta muito de sair (ir 3 ou 4 vezes por ano à cidade está bom para ele), mas gosta de receber as pessoas para uma boa conversa. Ele fabrica e vende a cachaça com infusão de jabuticaba. O processo é tão simples quanto parece. Um moedor mecanizado joga o caldo da cana em um tanque que segue para a caldeira. Com o fogo, o caldo evapora e passa por um sistema de canos resfriadores que condensam o vapor até sair a aguardente. Depois ele armazena a cachaça junto com as jabutes de suas terras. Sua bebida tem boa fama na região, e seu Nô faz isso por puro talento nascido com ele. Diz não dar bola para nenhum processo sofisticado, mas talvez ele só não tenha descoberto ainda que o sofisticado é ele.
Dilce, presidente da Associação de Mulheres de Cabeça da Vargem, em Caetité, nos mostra como a água do cozimento da jabute pode ser armazenada por anos e ainda explica ser possível aproveitá-la para receitas de geleias.
Caryocar brasiliense
Todo o povo aqui se gaba
Desse fruto consagrado
Roa leve, vá com calma
E mordendo com cuidado
Faça como o passarinho
que escapa do espinho
Dos pequis do meu cerrado
De todos os frutos do cerrado, o pequi é o que tem a maior de todas as identificações culturais. Por isso, o pequizeiro tem uma grande relevância na busca da preservação dessa zona, que vem tendo sua vegetação reduzida perigosamente. A importância cultural que a fruta representa para o cerrado, associada a um extrativismo sustentável, pode ser um grande impulso no cuidado com o bioma.
O que a gente consome é o caroço do pequi. Às vezes o pequi vem com três sementes, às vezes com quatro, pode vir mais, pode vir menos. A casca que envolve o caroço é jogada nas plantas como adubo. A polpa amarelada do pequi é rica em vitamina C, vitamina A e proteínas. Além de roer a polpa do pequi cozido, pode-se utilizá-lo em inúmeras receitas do dia a dia, como arroz de pequi, pirão, doce e compota. É possível, ainda, extrair o óleo do pequi retirando a nata de gordura que a semente solta ao cozinhar. Coloque essa espuma em outra panela ao fogo e aguarde até dar uma fritada, para retirar a água do óleo. Se quebrarmos essa semente amarela, encontramos os espinhos que envolvem uma pequena amêndoa, guardada no meio de tudo, também chamada de castanha do pequi, ou coquinho de pequi, com o qual se pode fazer paçoca. Também se pode fazer um ótimo óleo culinário com a amêndoa, se esperar que a semente fique bem seca antes de retirá-la, ou dar uma leve torrada para aprimorar o sabor. Lembrando que tanto o óleo da polpa quanto o óleo da castanha são significativamente mais saudáveis que os óleos normalmente disponíveis no mercado e que utilizamos nas receitas diárias.
Nos cerrados, há sempre uma história ao redor do pequi para ser contada. As lembranças afetivas unem as famílias em torno de pratos feitos com pequi, porque inegavelmente há um laço da sociedade com a fruta. São numerosas as histórias, por exemplo, de pessoas que foram viver em lugares onde não se produz pequi e tampouco é comum encontrá-lo e que ficam extremamente saudosas do fruto.
A Associação de Mulheres de Cabeça da Vargem, em Caetité, trabalha com jabuticaba, cagaita e outras frutas introduzidas, mas o pequi é especial. Ali é organizado o Festival do Pequi, sempre em novembro. Pessoas de toda a redondeza vêm até a comunidade celebrar o fruto nesse grande evento onde fazem doce, geleia, lasanha, torta, tapioca, bolo, pudim. Fazem tudo, tudo, tudo de pequi, como conta Dilce, a presidente da associação. Ela ensina como fazer o sorvete do pequi.
Dona Roxa, de Caetité, perto dos 90 anos, conta como percorreu os gerais ao redor de onde mora, antes de tudo ali vir a ser ruas de calçamento em mais um bairro da cidade. Era pequi pra todo lado, lembra ela.
SORVETE DE PEQUI
Ingredientes
10 colheres de sopa de polpa de pequi
½ litro de leite
395 g de leite condensado
1 pacote de gelatina sem sabor
Preparação
Para conseguir a polpa, coloque 1 kg de pequi para cozinhar e, depois, despolpe a semente com uma colher. Retire as sementes despolpadas. Bata no liquidificador a massa de pequi, o leite amornado, o leite condensado e a gelatina sem sabor. Coloque em uma vasilha com tampa e depois leve ao congelador.
As flores do pequizeiro são de uma beleza e delicadeza enormes. Um simples vento é capaz de forrar o chão com muitas delas. Um pequizeiro não precisa de outro para frutificar, mas o trabalho de morcegos e abelhas pode multiplicar muitas vezes a produção. Por isso, o cuidado com as nascentes e as matas ajuda a preservar a população de polinizadores que favorecem todo o sistema. Na hora de coletar o pequi, é importante ficar atento a algumas observações, para também sermos parte integrada com a natureza. Para começar, não tire frutos do pé. Não estão bons para consumir. Apenas os pequis caídos naturalmente estão no amadurecimento correto. Tome cuidado com os arredores dos pequizeiros, para não pisar em mudas. Assim ajudamos a garantir que haja pequi por muito tempo ainda. E lembre-se de sempre deixar alguns frutos para que a natureza também possa usufruir de seu próprio trabalho.
O PEQUI É BOM
Renilza Oliveira da Silva (Cabeça da Vargem)
Vai catar pequi, Morena, calça o sapatão
Pra livrar de cobra, de cobra no chão
Vai pegar pequi, Morena, põe pra cozinhar
Mexe, mexe, mexe, Morena, para não queimar
O pequi é bom, Morena, rói, rói, rói
Se chegar a morder, Morena, dói, dói, dói
O pequi é bom, Morena, fala o que quiser
Ele é vitamina para o homem e pra mulher
O pequi é bom, Morena, fruto do cerrado
Serve pra cotia, pro tatu e pro veado
Ele dá na terra, também na montanha
Vou fazer o óleo do pequi e da castanha
Senhor comprador, você passa por aqui
Vem de Caetité, Tanque Novo ou Guanambi
Senhor visitante, vou te agradecer
Cantei essa música somente pra você
Senhor visitante, vou me despedir
Que eu não sei cantar, vou parando por aqui
A região dos gerais do Alto Sertão da Bahia tem uma flora abundante de cores, formas e sabores, com potencial de permitir ao povo que habita essas terras uma existência digna, sustentável e integrada. Ela oferece alimento, material para artesanato e medicina vindos da natureza. É saúde e também é renda.
E, para essa riqueza prosperar e se prolongar, é bom se lembrar daqueles cuidados que são importantes de tomar durante a coleta. A caatinga e o cerrado são biomas fortes, mas também delicados. Devemos ajudá-los para que nossa flora siga sempre frutificando.
Assim:
Ande prestando atenção onde pisa, porque é debaixo das árvores-mães que estão suas mudas, a nossa colheita de amanhã.
Colete as frutas no chão ou utilize ganchos. Evite subir nos galhos, para não quebrar nenhum.
As flores também devem ser tratadas com carinho, se quisermos vê-las se tornar frutos saborosos e nutritivos.
Colha somente frutos na maturação correta para cada uso e deixe sempre alguns frutos no pé.
Por fim, plante.
Plante.
E plante.
Além das frutas já citadas, existem outras de ocorrência comum na região. Algumas com potencial para serem trabalhadas pelas comunidades, tanto por serem bastante disponíveis quanto por terem alto interesse nutricional, além de simplesmente proporcionarem receitas deliciosas.
O nome científico, Eugenia dysenterica, já dá uma pista das propriedades desse frutinho pouco prestigiado, mas capaz de oferecer suco, sorvete, doces e outras receitas deliciosas. A fruta é muito boa para quem tem prisão de ventre, mas é bom ir com calma, para não desarranjar o intestino. Diz ainda toda a gente que conhece bem esses frutos que a cagaita madura, quando consumida in natura e debaixo de calor, consegue deixar a pessoa como se estivesse bêbada, ou chumbada, como se diz por aqui. Ela é rica em antioxidantes, que ajudam a atrasar o desgaste natural das células do corpo.
NEGO BOM DE CAGAITA
Ingredientes
1 kg de cagaitas verdes
1 xícara de açúcar
Açúcar cristal ou de confeiteiro
Preparação
Cozinhe as cagaitas até amolecerem. Retire a água e depois passe as cagaitas por uma peneira para separar as sementes da polpa. Junte a polpa com uma xícara de açúcar e leve ao fogo em uma panela. Deixe ferver com a água que a própria fruta solta. Mantenha o fogo até o ponto de ver o fundo da panela quando passar a colher de pau. Espalhe em uma travessa para esfriar enquanto o doce ganha mais consistência. Em seguida faça bolinhas do doce com as mãos e depois jogue açúcar cristal ou de confeiteiro em um prato. Enrole os docinhos e pronto.
Dona Santina da feira de Guirapá, em Pindaí, vende sua produção familiar. Diz que, sempre que tem o maracujá-do-mato (Passiflora cincinnata), não fica com nenhum. Quanto houver, ela vende. O fruto é sucesso de público e de crítica. É muito usado como calmante e também é rico em cálcio, ferro, fósforo, potássio, vitamina A, vitaminas do complexo B e vitamina C. Sua polpa é fácil de armazenar e conservar e dá para fazer muitos tipos de doces, geleias, mousses e outras receitas saborosas.
O nome científico é Hancornia speciosa, mas mangaba vem do tupi e significa “boa de comer”. A tradução já diz tudo. Aquela sensação dos lábios grudando após chupar mangaba do pé é inconfundível. Tem uma boa aceitação nos mercados e também a indústria alimentícia busca muito por ela para fazer geleias, sorvetes, sucos, licores, tortas, doces etc. Após a coleta, é aconselhável lavar os frutos em uma bacia para retirar o excesso do leite. Depois espalhar bem e deixar secar na sombra, sem fazer montinhos, em cima de uma esteira ou lona de algodão. Prefira as frutas de vez, que resistem melhor ao transporte. A separação da polpa é muito simples e é fácil aproveitar essa fruta rica em vitamina C, cálcio e fósforo.
Outro fruto que as pessoas aqui conhecem é o murici (Byrsonima crassifolia), que está cada vez mais difícil de se encontrar nos gerais, por conta da exploração desordenada do cerrado. É uma planta parente da acerola e conhecida por suas propriedades medicinais para cuidar de febre, inflamações, bactérias, fungos etc. O murici é rico em fibras, cálcio, fósforo, ferro, vitamina C e vitaminas do complexo B.
Além dessas, ainda há ocorrência de outras variedades de frutos que têm menor valor comercial, seja pela pequena disponibilidade, seja pela dificuldade de utilizar em processamentos comercialmente viáveis, como o coquinho-de-ticum, coquinho-de-galinha, entre outros.
É nas feiras que vamos vender o que produzimos e comprar aquilo de que precisamos. Mas nem só de mantimentos são feitas as feiras. Desde sempre, elas são o espaço de integração das comunidades. A importância das feiras livres é pra lá de conhecida, e para quem vem de fora basta pouco tempo até entender isso.
No entanto, nessa imensidão de pessoas e produtos, é importante que haja formas de valorizar as práticas sustentáveis e que tenham como foco a iniciativa de agricultura familiar. Em Caetité, toda quinta de tarde acontece a feira de economia familiar com base agroecológica, em separado da feira livre, que acontece no dia seguinte. Isso faz com que toda essa produção encontre uma valorização comercial que beneficia os produtores e, ainda mais, os consumidores, que têm acesso facilitado a alimentos, cosméticos e artesanato que integram fatores econômicos, culturais e de saúde. Também ajuda a criar uma rede articulada de pessoas que se conhecem, frequentam o mesmo espaço e o utilizam para trocar informações sobre como projetar seus desejos e resolver problemas comuns a todos.
Assim, é interessante ver essas iniciativas se multiplicarem pelos municípios vizinhos, incentivando que mais e mais famílias encontrem, nos arredores de casa, a fonte de seu sustento. Ao aliarmos orientação técnica e articulação social, nossa flora, frutificando, colhe resultados.
Nota: A BAMIN respeita e valoriza as raízes e as culturas locais e está atenta em disseminar a diversidade e inclusão dentro e fora da companhia. Em respeito à historicidade e espontaneidade local, mantivemos a terminologia original contida nas receitas, por serem parte da cultura e referência culinárias e tradição do município de Caetité.
Área mapeada pelo projeto
Maria do Carmo
Caetité - Boa Vista
(77) 99182-6737
Nalva
Caetité - Lagoa do Meio
(77) 99191-2259
Dilce
Caetité - Cabeça de Vargem
(77) 99927-1172
Cristina
Pindaí - Mulungo
(77) 99119-6156
Maria Saldanha
Pindaí - São Domingos
(77) 99137-1840
Alô Bamin
0800 701 2005
Ficha técnica:
Realização: BAMIN
Gerente-Geral de Meio Ambiente e Relacionamento com Comunidades: Marcelo Dultra
Coordenador de Meio Ambiente: Matheus Benício
Coordenadora de Relacionamento com Comunidades: Ana Paula Dias
Coordenação editorial: Olho de Peixe Filmes/TOCA
Organização: Cristiano Britto, Sabrina Alves
Textos: Daniel Dourado
Revisão: Carolina Leocadio
Fotos: Ricardo Prado, Jackson Ministro
Projeto gráfico e diagramação: Brazz
REFERÊNCIAS
Aroucha, Edvalda Pereira Torres Lins; Aroucha, Maurício Lins. Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável do licuri. Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza. Brasil, 2013.
Barreto, Lílian Santos. Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável do umbu. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Brasil, 2010.
Carrazza, Luis; Ávila, João Carlos Cruz.Manual tecnológico de aproveitamento integral do fruto do pequi. Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza. Brasil, 2010.
Oliveira, Washington Luis de; Scariot, Aldicir. Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável do pequi.Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Brasil, 2010.
PBA Projeto de Flora Local. Levantamento de dados de plantas frutíferas com potencial valor comercial nos municípios de Caetité e Pindaí. Relatório Final, fevereiro de 2022. Caetité: Bioconsultoria. Brasil, 2022.